quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Por que os cristãos devem estudar Sociologia

Lionel Matthews

É por meio dos relacionamentos, em especial das interações em grupo, que a realidade é mais bem compreendida e estruturada.
Alguns cristãos têm “dúvidas profundas acerca da Sociologia”. O temor é que os alunos que cursam Sociologia na faculdade possam ter sua convicção religiosa “minada ou até mesmo destruída”.1 No entanto, apesar do receio alegado, faculdades e universidades cristãs continuam oferecendo a Sociologia como disciplina ou curso. Em vista disso, parece relevante fazer as seguintes perguntas: Por que professores e alunos em faculdades cristãs ensinam e estudam Sociologia? Pode o estudo da Sociologia facilitar uma compreensão mais profunda da vida cristã? Pode servir de veículo para a construção da fé?
Para compreender a razão de a Sociologia ser oferecida como disciplina acadêmica em uma faculdade/universidade cristã, devemos primeiro entender o propósito mais amplo do empreendimento educacional. As instituições educacionais visam a expor os estudantes a uma variedade de experiências, com o propósito final de prepará-los para a vida. O objetivo da educação oferecida, pelo menos do ponto de vista cristão, é dotar os alunos com conhecimento, habilidades, disposições e perspectivas que lhes permitam viver significativa e plenamente neste mundo, preparando-se para o Céu. Assim, a escolha de um currículo em uma instituição cristã pressupõe análise cautelosa, e compreensão da natureza humana e das necessidades individuais.
Embora as opiniões variem quanto aos atributos que são considerados fundamentais e aos que são importantes, mas não fundamentais2 para o desenvolvimento do indivíduo, os educadores, em geral, concordam que o ser humano é dotado de uma natureza holística. Apesar dos diversos pontos de vista propostos sobre este assunto3, algumas necessidades básicas foram determinadas. Para Maslow4, há necessidades menores e maiores. Ele identifica seis níveis de necessidades, em que a fisiológica é a menor e a autorrealização, a maior. As classificações de necessidades filosóficas, sociais, estéticas e de sobrevivência de Pratt5 são semelhantes à formulação de Ellen White6 sobre as características físicas, mentais, espirituais e sociais. Com base nessas categorizações, foram identificadas experiências consideradas essenciais ou necessárias para o desenvolvimento significativo do indivíduo.
As instituições educacionais, particularmente as escolas cristãs, têm como objetivo oferecer uma educação equilibrada. Assim, as principais áreas de conhecimento do currículo – como as ciências naturais, sociais, humanas e as artes – são organizadas de acordo com as necessidades apontadas. O objetivo é facilitar ao máximo o desenvolvimento individual dos alunos da forma mais adequada, tendo em vista essas necessidades. Como Ellen White escreveu, o processo de educação visa ao desenvolvimento integral das faculdades mentais, físicas, espirituais e morais dos alunos, tendo como objetivo final a restauração da imagem de Deus.7 Com relação a isso, de que forma a Sociologia deve ser considerada?

O enfoque sociológico

A Sociologia consiste no estudo do comportamento humano. Como um método de abordagem e um corpo de conhecimento, a Sociologia difere de outras ciências sociais à medida que analisa o comportamento humano tendo em vista a “coletividade”. O argumento básico apresentado é de que o comportamento humano é fortemente dependente de normas e valores sociais que resultam da interação com o grupo. Essa perspectiva baseada no grupo (interpessoal) diverge um pouco de algumas divisões das ciências sociais cuja ênfase está em uma dimensão mais individualista (intrapessoal) associada ao comportamento humano.
Os economistas, por exemplo, tendem a apontar a natureza utilitarista do comportamento humano, cuja a base são as escolhas racionais.8 Para eles, os seres humanos avaliam as escolhas e negociam respostas às diversas demandas de seu ambiente em função dos custos e benefícios. Em outras palavras, um indivíduo irá provavelmente agir de determinada maneira se considerar vantajoso. Por outro lado, caso não identifique vantagens em determinado comportamento, ele não agirá em função dele ou repetirá esse comportamento. No entanto, apesar de os sociólogos não negarem o papel da escolha racional como uma característica das atividades humanas, eles não acreditam que essa é a principal força motivadora das ações.
Para os sociólogos, boa parte das ações humanas não levam em conta os valores. Muitas pessoas, por exemplo, continuam a aderir a práticas sociais (por exemplo, o consumo de cigarros ou a prática de assédio) que claramente não são o melhor para elas. No entanto, elas são inclinadas a agir de determinada forma em grande parte por causa das pressões sociais.
Emile Durkheim9 argumenta que há um locus externo às atividades humanas. Ele afirma que os feitos sociais10 produzidos e sustentados pelo grupo são fenômenos que constituem a mola mestra da conduta humana. No desenvolvimento de suas ideias sobre as causas do comportamento humano, Durkheim critica as teorias da Psicologia e da sociobiologia de sua época. Enquanto a Psicologia propõe que o comportamento humano é definido por fatores como a vontade e outras características da mente, a sociobiologia sugere que ele é definido por princípios biológicos, tais como predisposições genéticas e níveis hormonais. Contrariando essas duas posições, Durkheim argumenta que a maneira como as pessoas se relacionam com o mundo em torno delas é socialmente condicionada.
Por exemplo, Durkheim observa que o modo como as pessoas cumprem suas funções em seus postos de trabalho e em outros relacionamentos pessoais foi condicionado por expectativas sociais e práticas estabelecidas socialmente. Em outras palavras, a maneira como as pessoas se relacionam com irmãos, mãe ou chefes é, em grande parte, determinada pelas normas da sociedade em que vivem. De acordo com esta lógica durkheimiana, os sociólogos reconhecem: há uma realidade socialmente criada que fornece o impulso para a ação e a interação humana.
No entanto, essa abordagem de grupo com foco no comportamento humano parece ignorar a visão bíblica de que cada ser humano é responsável por suas ações (2 Coríntios 5:10). Embora isso seja verdade, em certa medida, meu ponto de vista é de que a caracterização da perspectiva sociológica como antibíblica não se sustenta diante de uma análise mais aprofundada. Na verdade, o foco no grupo, como maneira de os sociólogos compreenderem o comportamento humano e social é, em grande parte, defensável dentro da visão bíblica. Essa afirmação, analisada neste artigo, é uma das principais razões pela qual os cristãos devem estudar Sociologia. Mas há pelo menos duas outras razões para os cristãos compreenderem a condição humana a partir da perspectiva sociológica.

Justificativa para o estudo da Sociologia

A Sociologia é uma ferramenta útil para os cristãos porque (1) fornece importante oportunidade para o indivíduo compreender a si mesmo e aos demais e para (2) alcançar um entendimento sobre o mundo social. Evidentemente, neste artigo, a concepção sociológica sobre a condição humana não é considerada a única ou a melhor explicação disponível. Os seres humanos são demasiadamente complexos para serem reduzidos a um único processo disciplinar ou a uma concepção única.
A necessidade de os cristãos buscarem uma autêntica compreensão de si mesmos e dos outros deriva, em parte, daquilo que Deus diz: “Sede fecundos e multiplicai-vos” (Gênesis 1:28) e amem uns aos outros como a si mesmos (Mateus 19:19). Essa compreensão se torna ainda mais importante quando consideramos que os seres humanos foram feitos à imagem de Deus (Gênesis 1:27). Não é possível cumprir o plano de Deus com base em ideias vagas ou sentimentos ingênuos. Para atingir esse ideal, são necessários esforços exaustivos e sistemáticos. Pois seria extremamente difícil para o ser humano, criado à imagem de Deus, se reproduzir e, verdadeiramente, amar a si mesmo e ao próximo sem uma autêntica consciência de si mesmo e dos outros. A compreensão baseada no senso comum não é suficiente. Muitas vezes, essa compreensão não passa de um entendimento superficial ou de uma impressão incosistente. Para ter entendimento e direção, além de recorrer aos escritos inspirados, devemos buscar a sabedoria acumulada pelos seres humanos.
Muitas pessoas não refletem sobre seu comportamento. Aparentemente, são incapazes de perceber suas atitudes tendo em vista a complexidade da vida. Dominadas por um ethos individualista, a maioria das pessoas parece pensar sobre seu comportamento a partir de suas próprias qualidades pessoais, demonstrando uma falta de capacidade para entender o geral no particular. Não compreendem a si mesmas dentro das circunstâncias mais amplas da existência. Elas demonstram um grande desconhecimento sobre “estar-aí” em função de seu comportamento. No entanto, a importância do contexto em que estamos inseridos é claramente bíblica, pois para o salmista, Deus registra e documenta a vida das pessoas e diz: “Este nasceu ali” (Salmo 87:6). Ao considerar o local do nascimento de uma pessoa, a implicação é de que Deus confere importância à experiência de socialização para o comportamento de uma pessoa e formação de seu caráter.

A imaginação sociológica

C. Wright Mills, que se baseou na noção durkheimiana dos fatos sociais e a ampliou, deu-nos, talvez, a explicação mais perspicaz da abordagem sobre o “estar-aí”. Mills11 propõe que o conceito de “imaginação sociológica” é fundamental para a compreensão de que o comportamento dos seres humanos é guiado pelas exigências normativas de sua sociedade. Para ele, aquele que possui “imaginação sociológica” é capaz de perceber como a história e a biografia se conectam e interferem na vida das pessoas.
Assim, “a imaginação sociológica habilita seu possuidor a compreender o cenário histórico mais amplo, em termos de seu significado para a vida íntima e pública de numerosos indivíduos” e “compreender a história e a biografia, bem como as relações entre ambas na sociedade”.12 Assim, Mills argumenta que qualquer investigação social realizada convenientemente vai demonstrar uma compreensão do comportamento humano em função da interligação entre história (amplas características estruturais dentro de uma sociedade) e biografia (circunstância pessoal e mais imediata da vida dos indivíduos).
São esses fatores históricos e biográficos do “estar-aí” que compõem as multicamadas circunstanciais da vida das pessoas e pelos quais os sociólogos procuram entender o comportamento social. Também é em função dessa perspectiva que os variados padrões de comportamento que os cristãos manifestam a partir de diferentes perspectivas culturais podem ser entendidos. Considere o exemplo dos homens cristãos adventistas dos Estados Unidos e de Camarões. Embora definitivamente esses dois grupos compartilhem da mesma convincente visão de mundo e sejam compelidos por ela de maneira significativa, eles diferem em alguns aspectos importantes. Os homens adventistas de Camarões falam francês, usam roupas muçulmanas para adorar e provavelmente se casarão com mulheres escolhidas por seus pais. Por outro lado, os homens adventistas que vivem nos Estados Unidos falam inglês, vestem paletó e gravata para os cultos e são mais propensos a se casar com mulheres de sua escolha pessoal. Apesar de suas crenças e valores comuns, esses dois grupos diferem na forma segundo qual vivem essas crenças e valores, em grande parte por causa das expectativas sociais de suas respectivas sociedades.
A capacidade de ver o comportamento das pessoas em termos das circunstâncias de sua vida tem um significado maior na prática do cristianismo. Perkins13 afirmou que o estudo da Sociologia leva a uma maior claridade analítica. Ele sugere que essa clareza, juntamente com a capacidade de comunicar ideias teóricas obtidas a partir do estudo da Sociologia, é de valor inestimável para a realização e o desenvolvimento do potencial das pessoas como seres criados à imagem de Deus. As percepções e clareza de pensamento obtidas são especialmente valiosas para uma pessoa autoconsciente, bem como consciente da existência do outro. Essas percepções contribuem para o desenvolvimento do amor por si próprio e pelos outros.
A perspectiva sociológica capacita as pessoas a amar os demais de forma significativa. Essa afirmação é enfatizada habilmente na obra de Michael Schwalbe.14 Este autor sugere que as percepções sociológicas concedem às pessoas uma “consciência sociológica”, o que lhes permite prestar atenção às dificuldades e escolhas dos outros. Ele afirma que “se observarmos como as circunstâncias alheias diferem das nossas, seremos mais propensos a mostrar compaixão às pessoas e lhes daremos o respeito que merecem, como seres humanos. Seremos menos propensos a condená-las injustamente”.15 Em outras palavras, ser sociologicamente consciente habilita o cristão a desenvolver a capacidade de reflexividade (ver Perkins). Um cristão reflexivo é aquele que é capaz de sair de uma situação social e do quadro de referência (do “estar-aí”), e “julgar” a si mesmo e aos outros com base em uma compreensão cuidadosa e objetiva dos fatos. Essa habilidade de ser reflexivo é indispensável para que uma pessoa seja capaz de seguir a regra de ouro, ou seja, tratar os outros como quer ser tratado (Mateus 7:12). É por isso que Leming, DeVries e Furnish argumentam que “o cristão sociologicamente consciente está mais bem habilitado para entender o Shalom, para implementar o amor e justiça no mundo”.16
Outra razão pela qual os cristãos devem dar atenção aos estudiosos da Sociologia reside no potencial da disciplina para criar uma consciência das formas em que o mundo social é concebido e construído. Para o cristão, essa consciência é especialmente importante para fundamentar seu discurso acadêmico sobre o mundo social. Na verdade, o discurso sobre a origem, natureza e mudança de padrões sociais não deve iludir os cristãos. Os cristãos são convidados a “avaliar qualquer novo ethos que molda a cultura na qual os crentes são chamados por Deus a viver”.17 “Destruímos os argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Deus” (2 Coríntios 10:5).
Isso implica que os cristãos devem estar preparados para se engajar em uma ofensiva contra as ideias que se opõem a Deus. Isso sugere uma “comunicação entre pessoas que compartilham diferentes experiências da realidade com o propósito de descobrir alguma verdade suprema”.18 Nesse processo de encontro, a tensão entre os diferentes pontos de vista dos destinatários dá origem a uma nova proposta, a síntese. Os princípios que norteiam o processo de garantir os melhores pontos de vista apresentados em cada uma das colocações sugeridas são mantidos e incluídos na nova posição, enquanto aqueles que não suportam o escrutínio do julgamento são descartados.
Em coerência com este espírito, é esperado que os cristãos, em seu esforço para “destruir” argumentos e levar cativo todo pensamento, avaliem cuidadosamente as conclusões de seus colegas não cristãos, a fim de reter o que for aproveitável. Isso exige que os cristãos exercitem bom senso e exibam civilidade ao debater ideias seculares. Isso irá garantir que os defensores dessas ideias não se sintam menosprezados ou irritados se seu posicionamento não for aceito, pois saberão que seus conceitos foram devidamente analisados e avaliados. O fato de o pesquisador não cristão ter sido tratado de maneira justa pode levá-lo a reagir de maneira favorável à argumentação apresentada pelo pesquisador cristão.
Para os cristãos efetivamente participarem do desafio de combater argumentos e levar as ideias cativas, tendo em vista a glória de Deus, em primeiro lugar, eles precisam entender os conceitos e argumentos pertinentes. Especialmente, devem compreender a base das proposições sugeridas nos argumentos a ser combatidos ou aceitos, e precisam ser capazes de apresentar proposições contrárias credíveis ou justificativas que resultem na formulação ou na adoção de um novo posicionamento, mais defensável. O objetivo de tal exercício, é claro, não é gerar teorias estéreis que levem a um interminável conflito, mas, como o apóstolo Paulo sugere em 2 Coríntios, facilitar a obediência a Deus.
Além disso, o desafio para os cristãos desconstruírem argumentos e levarem cativo todo pensamento, segundo Paulo, implica que os cristãos se tornem líderes do pensamento de sua sociedade. Essa posição se harmoniza com a comissão de Jesus aos Seus seguidores para que sejam a luz do mundo e o sal da terra (Mateus 5:13, 17). A afirmação de Jesus nesses versículos se aplica a todas as dimensões da condição humana – espiritual, social, intelectual e física. A implicação, portanto, é que seguidores de Cristo devem ser o meio através do qual essas dimensões em suas formas operacionais na sociedade sejam temperadas e preservadas (o efeito do sal) e iluminadas e explicadas (o efeito da luz). Dessa maneira, os cristãos podem demonstrar sua fidelidade em suas funções como a luz e o sal de sua sociedade, respectivamente. Fiéis a essas funções, os cristãos se tornarão não só agentes de estabilidade e ordem na sociedade, mas também geradores de significado. Com relação ao potencial gerador, os cristãos deverão liderar a criação de novos conhecimentos, proporcionando respostas às muitas perguntas intrigantes em áreas como a saúde, vida familiar e prática religiosa.
No entanto, os cristãos continuarão sendo desafiados ao tentarem realizar essas funções sem uma compreensão profunda e autêntica das teorias e modelos conceituais que abordam os padrões sociais de sua sociedade. Heddendorf declarou que “em uma época de instabilidade social em relação à complexidade da vida, o pensamento social cristão permanece em grande parte ingênuo e sem compreender essas complexidades”.19 É em grande parte por causa deste déficit que os cristãos de uma maneira geral têm negligenciado (e, em alguns casos, abandonado) a função de portadores de luz (no sentido de gerar) e contribuído com sua inércia diante da proliferação de ideias seculares antagônicas às reivindicações bíblicas. Quando a Sociologia capacita os cristãos com uma compreensão do mundo social, facilitando a execução de seus papéis como líderes do pensamento e portadores de luz, o seu estudo é certamente justificado.
Até agora, duas razões foram apresentadas sobre a necessidade de os cristãos se empenharem no estudo da Sociologia. A primeira razão trata da relevância da Sociologia para que o indivíduo tenha compreensão de si mesmo e dos outros, aumentando assim sua capacidade de amar os demais e servi-los. A segunda razão sugere que a Sociologia permite uma compreensão autêntica e profunda do mundo social. Dessa forma, esse estudo possibilita ao cristão levar cativo todo pensamento para a glória de Deus. Agora, uma terceira e última razão: a unidade de análise sociológica, o grupo, é um tema eminentemente bíblico.

Uma análise da unidade baseada na Bíblia

Uma das decisões importantes que os cientistas sociais devem tomar em seus esforços de pesquisa refere-se à unidade de análise. Este termo está relacionado à fonte a partir da qual o investigador pretende obter os dados para o seu estudo. As unidades de análise incluem os indivíduos, funções, tipos de personalidade, instituições, regiões e grupos, sem, porém, se limitar a essas divisões. Para Kaplan, as unidades de análise são o “ponto problemático” da tarefa de pesquisa. Ele descreve as unidades de análise como o “assunto final para a investigação”.20 Uma vez que a unidade de análise é escolhida, são feitas as decisões relativas à concepção e à metodologia de pesquisa. Apesar de não negar a validade de outras fontes de dados, os sociólogos têm considerado há muito tempo ser o grupo a unidade final de análise, e com boas razões.
Uma vez escolhidas, as unidades de análise são sujeitas a dois tipos de falácias: ecológicas e individualistas. A falácia individualista ocorre quando o pesquisador utiliza dados de um nível de análise e extrapola os resultados. Por exemplo, suponhamos que uma pesquisadora realizou um estudo para determinar a atitude de jovens adultos quanto ao aborto e descobriu que jovens adultos do sexo masculino nos municípios do sul dos Estados Unidos, onde o estudo foi feito, eram mais favoráveis ao “direito de escolha” do que “a favor da vida”. A unidade de análise nesse estudo é composta por jovens adultos. As conclusões devem, portanto, ser generalizadas para jovens adultos. No entanto, se o pesquisador concluiu, com base em suas descobertas, que os municípios do sul eram mais propensos a adotar políticas “a favor do direito de escolha” do que outros municípios, ele estaria cometendo a falácia individualista, tirando conclusões sobre as administrações municipais, com base em dados individuais. Um exemplo contrário também é possível: um pesquisador poderia ter cometido a falácia ecológica, ao levantar dados de administradores de municípios, e depois generalizar as descobertas aos jovens adultos. Ambas as falácias devem ser evitadas, pois levam à distorção dos fatos.
A unidade de análise sociológica preferida, o grupo, continua a ser uma base sólida sobre a qual conclusões prováveis sobre indivíduos e outros fenômenos podem ser compreensivelmente alcançadas. Este argumento baseia-se na lógica da teoria de sistemas,21que postula que o todo é mais do que a soma das suas partes, e que, enquanto as peças podem ser entendidas de um modo geral, o oposto não é verdade. A implicação aqui é que o indivíduo, enquanto limitado em seu efeito sobre o grupo, não pode escapar do impacto do grupo, em especial do grupo familiar. Na verdade, ele é profundamente influenciado por sua origem primária.
Portanto, a afirmação daqueles que argumentam que os grupos não têm existência real além dos indivíduos que os compõem ignora um importante aspecto, ao considerar a identidade do indivíduo fora do contexto do grupo. Durkheim insiste que o grupo não se limita a seus membros constituintes, mas consiste em algo novo e independente de seus membros individuais. Assim, ao contrário daqueles que argumentam de forma diferente, os grupos são reais e constituem um aspecto fundamental da realidade.

A visão bíblica do grupo

A posição sobre a natureza fundamental do grupo é um tema bíblico recorrente. Esta noção surge no início do relato bíblico. Quando Deus fez o primeiro ser humano, Ele declarou-o, juntamente com o restante de Suas obras criadas, “muito bom” (Gênesis 1:31). Logo depois, Ele disse que não era bom que o homem estivesse só (Gênesis 2:17) e concedeu a Adão uma companheira, Eva. Mas qual seria o significado de falar que o homem era bom, embora não fosse bom que ele estivesse sozinho? O ponto de destaque é que o ser humano como um produto da criação de Deus, devido ao seu potencial para expressão criativa, está em excelente condição. No entanto, os seres humanos não são objetos inanimados ou criaturas sem desejo. São seres dotados da capacidade de relacionamentos significativos. Sendo assim, eles estarão irremediavelmente sufocados e estagnados se não tiverem como suprir a necessidade de relacionamentos. Sob essa perspectiva, não é bom que os seres humanos vivam isolados, sem o benefício da interação com os outros.
Há muitos anos, o sociólogo Charles Horton Cooley sintetizou a essência desse pensamento quando observou que “um indivíduo isolado é uma abstração desconhecida para a experiência”.22 O que Cooley queria dizer era que para um indivíduo obter desenvolvimento e realização é impensável viver fora de um contexto de grupo. Os seres humanos não se dão bem fora de um grupo. De fato, alguns estudos têm apoiado a ideia de que a realização de nossa humanidade é difícil de alcançar fora do contexto de grupo.23

Um Deus em Três

A realidade do grupo deve ser apreciada não só devido a sua relevância para o desenvolvimento pessoal, mas também pela sua importância para compreensão da realidade divina. Apesar de seu claro elo monoteísta, o relato bíblico parece inabalável sobre a ideia de Deus como um grupo. Embora Deus tenha sido declarado ser um só Deus (Deuteronômio 6:4; 1 Timóteo 2:5), Ele também tem sido apresentado como uma pluralidade (Mateus 28:19; Efésios 4:5). Essas afirmações sobre a divindade, embora pareçam envolver uma contradição de termos, tornam-se mais claras dentro do contexto mais amplo das Escrituras.
Os cônjuges se tornam uma só carne no casamento (Gênesis 2:24, Mateus 19:05, Efésios 5:31), e Jesus orou para que seus seguidores fossem um (João 17:21). Paulo (1 Coríntios 12) apresenta a igreja com sua pluralidade de membros como um só corpo, e Mateus (capítulo 25) retrata os remidos de todos os tempos como uma noiva. Assim, a noção de unidade emergindo da coletividade parece claramente bíblica. No entanto, como evidenciado pela experiência de maridos e esposas e dos seguidores de Cristo, esse grupo baseado em unidade não se traduz na fusão dos seres ou personalidades. Nem maridos e esposas, nem cristãos individuais são moldados em uma única entidade que anula a individualidade.
O que a noção de Deus como sendo trino (grupo) parece sugerir é que os membros da Trindade tornam-se unidos em sua relação com o outro, com base em seu propósito comum, valores e interesses. Furnish24 sugeriu que uma união mística surge quando as pessoas interagem em um contexto de grupo. Isso se revela nos relacionamentos humanos e também ilustra a unicidade da divindade?
O ponto ressaltado pela Escritura retrata a “unidade” tendo função de “coletividade” cuja realidade é, em última análise, relacional. É dentro dos relacionamentos, e em particular dentro do grupo de relacionamento, que a realidade é mais bem compreendida e estruturada. Mas essa visão não se encaixa bem em culturas dominadas pela noção ocidental individualista da natureza humana, mais bem resumida pelo conceito lockeano de “individualismo ontológico”.25 Segundo esse conceito, o indivíduo é considerado mais importante que o grupo, e o grupo é visto como se surgisse do agrupamento dos indivíduos, cuja existência é independente do grupo.
No entanto, esse conceito não é o ideal. A cosmovisão cristã claramente assinala isso. O que parece inevitável, no entanto, é que Deus é um conjunto, e a humanidade é criada à imagem divina. Assim, os seres humanos são essencialmente sociais, feitos para Deus e para o outro.26O entendimento sociológico é que o grupo é a realidade primária, inclusive, nas Escrituras. Assim, parece razoável concluir que apenas por sua consistente unidade de análise – o grupo –, a Sociologia deve encontrar algum lugar de importância na pesquisa acadêmica cristã. Contudo, deve ser estudada sob a perspectiva cristã.
Lionel Matthews (Ph.D., Wayne State University) é professor associado de Sociologia na Universidade Andrews, Berrien Springs, Michigan, EUA. Este artigo é uma síntese do capítulo de abertura de seu livro Sociology: A Seventh-day Adventist Approach for Students and Teachers (Berrien Springs, Michigan: Universidade Andrews Press, 2006). Impresso com permissão do autor e do editor.

REFERÊNCIAS

  1. PERKINS, R. Looking bothways. Grand Rapids: Baker Book House, 1987. p.13.
  2. PRING, R. Personal and social education in the curriculum: concepts and content. London: Hodder and Stoughton, 1987.
  3. NOHRIA, N., LAWRENCE, P., WILSON, E. Driven: how human nature shapes our choices. São Francisco: Jossey-Bass, 2002; RYAN, R., DECI, E. Self-determination theory and the facilitation of intrinsic motivation, social development, and well being. In: American Psychologist 55 (2000) 1:68-78; THOMPSON, M., GRACE, C., COHEN, L. Best friends, worst enemies: understanding the social lives of children. Nova York: Ballantine Books, 2001.
  4. MASLOW, A.H. Motivation and personality. 2a. ed. Nova York: Harper, 1970.
  5. PRATT, D. Curriculum planning: a handbook for professionals. Fort Worth, Texas: Harcourt Brace College Publishers, 1994.
  6. WHITE, Ellen G. Educação. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001 [CD-ROM].
  7. Ibid., 13.
  8. RAWLS, A. Can rational choice be a foundation for social theory? In: Theory and Society, 21 (1992) 2:219-241.
  9. DURKHEIM, E. The rules of sociological method. Chicago: The University of Chicago Press, 1964.
  10. Durkheim define fato social como “maneiras de agir, pensar e sentir, externas ao indivíduo e dotadas de um poder de coerção, pela razão de que elas o controlam.” Ibid., 3.
  11. MILLS, C.W. The sociological imagination. London: Oxford University Press, 1959.
  12. Ibid., 65-66.
  13. PERKINS, Looking Bothways.
  14. SCHWALBE, M. The sociologically examined life: pieces of the con-versation. Mountain View, Califórnia: Mayfield Publishing Company, 2001.
  15. Ibid., 5.
  16. LEMING, M.R., DEVRIES, R.G., FURNISH, B.F. (eds.) The sociological perspective: a value-com-mitted introduction. Grand Rapids, Michigan: Academie Books, 1989. p. 12.
  17. GRENZ, S.J. A primer on postmodernism. Grand Rapids: Wil-liam B. Eerdmans, 1996. p. 167.
  18. HEDDENDORF, R. Hidden threads: social thought for Christians. Dallas: Probe Books, 1990. p. 191.
  19. Ibid., 9.
  20. KAPLAN, A. The conduct of inquiry. Nova York: Harper and Row, 1968. p. 78.
  21. GOLDENBERG, I., GOLDENBERG, H. Family therapy: an overview. Pacific Grove, Califórnia: Brooks/Cole, 2003.
  22. COOLEY, C.H. Human nature and the social order. Nova York: Schocken, 1964 (trabalho original publicado em 1902). p. 36.
  23. DAVIS, K. “Extreme isolation” In: HENSLIN, J. M. (ed.). Down to earth sociology: introductory readings. 12. ed. Nova York: Free Press, 2003. p.133-142; RYMER, R. Genie. Nova York: Harper Perennial, 1994.
  24. FURNISH, B.F. “Are groups real?” In: LEMING, M.R., DEVRIES, R.G., FURNISH, B.F. (eds.) The sociological perspective: a value-com-mitted introduction. Grand Rapids, Michigan: Academie Books, 1989.
  25. Bellah, R.H. Habits of the heart: individualism and commitment in american life. Berkeley, Califórnia: Universidade da Califórnia, 1985. p. 143.
  26. SIRE, J.W. Discipleship of the mind: learning to love god in the ways we think. Downers Grove, Illinois:InterVarsity Press, 1990.